FONOLOGIA, DISCURSO E INTERDISCIPLINARIDADE: RELAÇÕES POSSÍVEIS ENTRE A FONOLOGIA E A MÚSICA
Resumo
Este ensaio apresenta uma abordagem interdisciplinar que reúne a música e a linguística e entende a entoação, como uma sequência de tons, iguais ou diferentes, produzidos pela voz durante a fala. Trubetzkoy propôs que a sintaxe se relacionasse diretamente com a variação de frequência atuando com função conclusiva, de continuidade e enumerativa. Para ele a entoação seria função direta das variações globais de frequência de F0. A relação entre tom médio dessas variações globais de F0 e o tom final concludente de sentença seguiria, desse ponto de vista, o mesmo princípio das modalizações formadoras de uma melodia e de sua tendência à conclusão no tom fundamental sujeitando-se ao mesmo princípio de resolução melódica da cadência perfeita baseada na escala de Zarlino. A definição dessa sequência harmônica — D7 > T — enfatizou a noção de centro tonal desenvolvido por Rameau e inaugurou a música tonal.Esse fato foi avassalador na chamada música ocidental e a música modal, que não se valia da escala de Zarlino, nem da cadência perfeita de Rameau, acabou restrita a algumas manifestações quase fossilizadas, na forma de cantos folclóricos ou cantos religiosos. Tomando algumas análises comparativas dessas finalizações, foi possível verificar que sujeitos brasileiros, portugueses e guaranis realizaram finalizações plagais. Finalizações autênticas, entretanto, concentraram-se em sujeitos com alta escolaridade, o que apontou para uma caracterização mais específica da fala escolarizada em relação à não escolarizada. Apesar de os dados analisados de finalização frasal não apresentarem resultados concludentes quanto à relação da música ocidental e às finalizações frasais nas falas respectivas, a utilização dos modelos teóricos da musicologia mostrou-se extremamente profícua para a análise da entoação frasal, o que incentiva a interdisciplinaridade como uma alternativa viável para a análise linguística.
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