FONOLOGIA, DISCURSO E INTERDISCIPLINARIDADE: RELAÇÕES POSSÍVEIS ENTRE A FONOLOGIA E A MÚSICA

Autores

  • Waldemar Ferreira Netto Universidade de São Paulo

Resumo

Este ensaio apresenta uma abordagem interdisciplinar que reúne a música e a linguística e entende a entoação, como uma sequência de tons, iguais ou diferentes, produzidos pela voz durante a fala. Trubetzkoy propôs que a sintaxe se relacionasse diretamente com a variação de frequência atuando com função conclusiva, de continuidade e enumerativa. Para ele a entoação seria função direta das variações globais de frequência de F0. A relação entre tom médio dessas variações globais de F0 e o tom final concludente de sentença seguiria, desse ponto de vista, o mesmo princípio das modalizações formadoras de uma melodia e de sua tendência à conclusão no tom fundamental sujeitando-se ao mesmo princípio de resolução melódica da cadência perfeita baseada na escala de Zarlino. A definição dessa sequência harmônica — D7 > T — enfatizou a noção de centro tonal desenvolvido por Rameau e inaugurou a música tonal.Esse fato foi avassalador na chamada música ocidental e a música modal, que não se valia da escala de Zarlino, nem da cadência perfeita de Rameau, acabou restrita a algumas manifestações quase fossilizadas, na forma de cantos folclóricos ou cantos religiosos. Tomando algumas análises comparativas dessas finalizações, foi possível verificar que sujeitos brasileiros, portugueses e guaranis realizaram finalizações plagais. Finalizações autênticas, entretanto, concentraram-se em sujeitos com alta escolaridade, o que apontou para uma caracterização mais específica da fala escolarizada em relação à não escolarizada. Apesar de os dados analisados de finalização frasal não apresentarem resultados concludentes quanto à relação da música ocidental e às finalizações frasais nas falas respectivas, a utilização dos modelos teóricos da musicologia mostrou-se extremamente profícua para a análise da entoação frasal, o que incentiva a interdisciplinaridade como uma alternativa viável para a análise linguística.

Referências

BACH, J.S. Das wohltemperirte Clavier. Köthen, 1722.

BOLINGER, E. Around the edge of the language: intonation. Harvard Educational Review, v. 34, n. 2, p. 282‐296, 1964.

BOLINGER, E. Intonation across languages. In GREENBERG, J. Universals of Human Languages. Volume 1: Phonology. Stanford: Stanford University Press, 1978. p. 471‐524.

BOLINGER, E.Intonation and its part. Word, v. 58, n. 3, p. 505‐533, setember, 1982.

CAGLIARI, L.C. Elementos de fonética do português brasileiro. São Paulo: Paulistana, 2007.

CAMÊU, H. Introdução ao estudo da música indígena brasileira. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cutura/Departamento de Assuntos Culturais, 1977.

COSTA, Natalina S. A. Aspectos da percepção da proeminência tonal em português brasileiro. Tese (Doutorado em Filologia e Língua Portuguesa) — Universidade de São Paulo, 2010.

CRUTTENDEN, A. Intonation. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.

DARVIN, C. A expressão das emoções no homem e nos animais. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

FALÉ, I.; FARIA, I.H. Percepção Categorial de contrastes entoacionais em Português Europeu. Actas do XXI Congresso da Associação Portuguesa de Linguística, Porto, p. 341‐348, 2006.

FELD, Steven; FOX, Aaron. Music and language. Annual Review of Anthropology. n. 23, p. 25-53. 1994.

BAZ, Dami G. M.; FERREIRA NETTO, W.; Questões de oralidade e escrita: aquisição da escrita em sociedades com predomínio da oralidade: narrativas guaranis. In: FERREIRA NETTO, W. (Org.) ExProsodia: resultados preliminares. São Paulo: Paulistana, 2016. p. 67-81. DOI: 10.4322/978-85-99829-84-4-12.

FERREIRA NETTO, W.; CONSONI, F. Estratégias prosódicas da leitura em voz alta e da fala espontânea. Alfa, n. 52, v. 2, p. 521‐534, 2008.

FESTINGER, Leon. Teoria da dissonância cognitiva. trad. Eduardo Almeida Rio de Janeiro:Zahar Editores, 1975.

FIRTH, J. Sounds and prosodies. Transactions of the Philological Society, 1948, p. 127‐152.

GARCIA, Rosicleide R. A entoação do dialeto caipira do Médio Tietê: reconhecimento, características e formação. Tese (Doutorado em Filologia e Língua Portuguesa) — Universidade de São Paulo, 2015.

HERZOG, George. Speech-Melody and Primitive Music. The Musical Quarterly, v. 20, n. 4, p. 452-466, 1934.

JUSLIN Patrik N.; LAUKKA Petri. Emotional Expression in Speech and Music. Evidence of Cross-Modal Similarities. Annals of New York Academy of Sciences, n. 1000, p. 279-282, 2003.

KRUMHANS, Carol L. Psychological Bulletin. Rhythm and Pitch in Music. Cognition. V. 126, n. 1, p. 159-179, 2000.

LADD, R. Intonation Phonology. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.

LIMA, R.T. Folclore de São Paulo. São Paulo: Ricordi, 1954.

LONGACRE, Robert E.; CHENOWET, Vida. E. Discourse as music. Word, v. 37, n. 1-2, april-august, 1986. p. 125-133.

MAEDA, S. A Characterization of American English Intonation. Doctoral Dissertation, MIT, 1976.

MIRA MATEUS, M.H.; BRITO, A.M.; DUARTE, I.S.; FARIA, I.H. Gramática da língua portuguesa. Coimbra: Almedina, 1983.

MORAES, J. A. Intonation in Brazilian Portuguese. In: HIRST, D.; DI CRISTO, A. (Eds.) Intonation Systems. A Survey of Twenty Languages. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. p. 179-194.

MORAES, J. A. Intonational Phonology of Brazilian Portuguese, ms. Apresentado no Workshop on Intonational Phonology: understudied or fieldwork languages, ICPhS 2007 Satellite Meeting, Saarbrucken, 5/08/2007.

NATTIEZ, Jean-Jacques. Modelos linguísticos e análise das estruturas musicais. Per Musi – Revista Acadêmica de Música. V. 9, p. 5-46, 2004.

NETTL, Bruno. Infant musical development and primitive music. Southwestern Journal of Anthropology, v. 12, n. 1, p. 87-91m 1956.

NETTL, Bruno. Notes on Musical Composition in Primitive Culture. Anthropological Quarterly, New Series, v. 2, n. 3, p. 81-90, 1954.

PIERREHUMBERT, J. B. The phonology and phonetics of english intonation. Tese de doutoramento apresentada no Massachusetts Institute of Technology, 1980.

PIKE, K. L. The intonation of American English. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1945.

RAMEAU, J.‐P. Traité de L'Harmonie. Reduite à ses principes naturels. Paris: 1722.

ROBERTS, Helen H. Melodic composition and scale foundation in primitive music. American Anthropologist, New Series, v. 34, n. 1, p. 79-107, 1932.

SCHOENBERG, Arnold. Harmonia. trad. Marden Maluf. São Paulo: Editora Unesp, 2001.

SILVERMAN, K. et al. TOBI: a standart for labeling english prosody. Proceedings of the 1992 International Conference on Spoken Language Processing, p. 12‐16, octobert, Banff.

SPENCER, H. The origin of music. Mind, v. 15, n. 60, p., 449‐468, october, 1890.

STEELE, J. Prosodia Rationais: or a essay towards establishing the melody and measure of speech. London: 1779.

THOMSON, William. The Problem of Tonality in Pre-Baroque and Primitive Music. Journal of Music Theory, v. 2, n. 1, p. 36-46, 1958.

TRUBETZKOY, N.S. Principes de phonologie. Trad. de J. Cantineau. Paris: Klincksieck, 1964.

WALLASCHECK, R. CATTELL, J.M. On the origin of music. Mind, v. 16, v. 63. p. 375‐388. July, 1891.

WEAD. Charles K. The Study of Primitive Music. American Anthropologist, New Series, v. 2, n. 1, pp. 75-79, 1900.

WEBER, M. Os fundamentos racionais e sociológicos da música. Trad. Leopoldo Waizbort. São Paulo: EDUSP, 1995.

WIZNIK, José M. O som e o sentido. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

ZARLINO, G. Dimostrationi Harmoniche. Venetia: 1571.

Downloads

Publicado

2018-06-30

Edição

Seção

Ensaios