A Ludopolítica e o Advento da Gamificação na Escola

Autores

Resumo

O lúdico ainda é apreendido no campo acadêmico, no senso comum e nos discursos pedagógicos no Brasil, como sinônimo de jogo, brincadeira, brinquedo e até mesmo de gamificação. Outrossim, é um vocábulo que se tornou banal e vulgarizado no cotidiano, em virtude de ser empregado para qualificar ações de alegria, formato e classificação de brinquedos, obras de arte, discursos políticos partidários, métodos didático-pedagógicos etc. Dito isso, depreendemos que o lúdico, sob a perspectiva da Ludopolítica, é manobrado discursivamente para escamotear as verdadeiras finalidades de grandes corporações e instituições que, basilarmente, objetivam o lucro, a produção, menos o próprio lúdico. Com base nas práticas de ludicização, essas empresas, atuantes em diversas esferas da sociedade, engendram um processo de dissociação do potencial emancipatório das pessoas. Quer dizer, trocam a autonomia e a liberdade de expressão, por alternativas tecnicistas, rápidas, superficiais, gamificadas e acríticas no trabalho, na escola e no tempo livre, fazendo com que as pessoas acreditem que tais atividades são deveras lúdicas. Nessa perspectiva, o escopo deste artigo é apresentar laconicamente o movimento lógico-histórico da “Quinta Virada Lúdica”, com vistas a escrutinar os discursos e práticas de ludicização, como a gamificação e sua inserção na educação. Concomitantemente, produzimos uma narrativa mediante nossos estudos e vivências sobre o modo como esse fenômeno da ludicização, sinteticamente, tem deturpado o jogo e o lúdico no âmbito escolar, sob a égide de modelos empresariais neoliberais.

Biografia do Autor

Rogério de Melo Grillo, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Doutor em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP (2018). Mestre em Educação pela Universidade São Francisco (2012), campus Itatiba/SP. Licenciado e Bacharel em Educação Física (2005) e Especialista em Educação Física Escolar (2007) pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais/SP. Graduado em Pedagogia pela FAFIBE (MG). É também pesquisador na UNICAMP, sendo membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Física Escolar (EscolaR - UNICAMP), na UFC, sendo coordenador de pesquisa do Centro de Estudo sobre Ludicidade e Lazer (CELULA - UFC), na UFSC, sendo membro do GEPROFEM, e, na UFMS, sendo membro do CLUCIEFE. É membro da "The Association for the Study of Play (TASP)". Fez estágio doutoral (Edital Cooperação Mundial) na Universidad de Buenos Aires (UBA) - Argentina, sob a orientação da profa. Dra. Carolina Duek (UBA/Conicet). É membro do Conselho Editorial da Editora Científica. Realiza pesquisas na área de Educação, com ênfase em Teorias sobre Jogo, Lúdico e Cultura Lúdica; Didática; Inclusão; Psicologia Histórico-Cultural. Realiza o segundo ano de Pós-Doutorado no PPGECT da UFSC, sob a supervisão da Dra. Regina Célia Grando.

Regina Célia Grando, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Possui Graduação em Licenciatura em Matemática pela UNICAMP (1990), Mestrado (1995) e Doutorado (2000) em Educação pela UNICAMP e Pós-doutorado em Educação Matemática (2017) pela UNESP. Tem experiência na pesquisa e prática em Educação Matemática, com ênfase em Prática Pedagógica e Formação Docente, atuando principalmente nos seguintes temas de investigação: formação de professores que ensinam matemática, desenvolvimento profissional docente, educação matemática e infância, jogo e resolução de problemas. Ex-presidenta da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM Nacional) no triênio 2016-2019. Atualmente é Professora Titular do Centro de Ciências da Educação, Departamento de Metodologia de Ensino e docente do Programa de Pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Líder do GEPPROFEM- Grupo de Estudos e Pesquisas em Processos Formativos em Educação Matemática e do ICEM - Grupo de estudos de Insubordinação Criativa em Educação Matemática. Sócia da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Referências

ANDRADE, E. R.; SANTOS, M. F. G. Gamificação e vigilância na constituição da subjetividade contemporânea: a (não) ficção na série Black Mirror. Guavira Letras, v. 14, n. 28, 2018.

BENEVIDES, P. S. Neoliberalismo, Psicopolítica e Capitalismo da transparência. Psicol. Soc., Belo Horizonte, v. 29, 2017.

BERARDI, F. A fábrica da infelicidade: trabalho cognitivo e crise da new economy. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

BERARDI, F. Asfixia: capitalismo financeiro e a insurreição da linguagem. São Paulo: Ubu, 2020.

BOGOST, I. Why gamification is bullshit. In: WALZ, S. P.; DETERDING, S. (Eds.), The gameful world: Approaches, issues, applications. Cambridge: Mit Press, 2015.

BOLTANSKI, L.; CHIAPELLO, È. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

BONENFANT, M.; GENVO, S. Une approche située et critique du concept de gamification. Sciences du jeu, 2, 2014.

BOULET, G. Gamification Is Simply Bells and Whistles. eLearn. n. 11, 2016.

CRARY, J. 24/7 – Capitalismo tardio e os fins do sono (versão E-book). São Paulo: Cosac Naify, 2014.

DEWINTER, J.; KOCUREK, C. A.; NICHOLS, R. Taylorism 2.0: gamification, scientific management and tche capitalist appropriation of play. Journal of Gaming & Virtual Worlds, v. 6, n. 2, p. 109–127, 2014.

DUFLO, Colas. Jouer et philosopher. Paris: PUF, 1997.

ESPOSITO, R. Bios: biopolítica e filosofia. Lisboa: Edições 70, 2010.

EUVÉ, F. Penser la création comme jeu. Paris: Cerf, 2000.

FINK, E. Play as Symbol of the World and other writings. Bloomington: Indiana University Press, 2016.

GENVO, S. Penser les phénomènes de ludicisation du numérique à partir de Jacques Henriot. Sciences du jeu, Experice - Université Paris‐Nord, 2013.

GHIRALDELLI, P. Semiocapitalismo. 2. ed. São Paulo: CEFA Editorial, 2022.

GRILLO, R. M. Mediação semiótica e jogo na perspectiva Histórico-Cultural em Educação Física escolar. Tese (Doutorado em Educação Física) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação Física, Campinas, SP, 2018.

GRILLO, R. M.; GRANDO, R. C. Ludopolítica: práticas de ludicização. In: SAKAMOTO, C. K.; MALTA CAMPOS, M. C. (Orgs.). Brincar, cuidar e educar. São Paulo: Gênio Criador Editora, 2021a, v. 1, p. 32-49.

GRILLO, R. M.; GRANDO, R. C. Ludopolítica: a ditadura da ludicização. Brazilian Journal of Policy and Development, v. 3, n. 3, p. 145-163, 8 nov. 2021b.

GRILLO, R. M.; GRANDO, R. C. O xadrez pedagógico e a Matemática no contexto da sala de aula. São Paulo: Pimenta Cultural, 2021c.

GRILLO, R. M. As Viradas Lúdicas: das metáforas de jogo à ludicização. In: GRILLO, R. M.; GRANDO, R. C. O xadrez pedagógico e a Matemática no contexto da sala de aula. São Paulo: Pimenta Cultural, 2021.

GRILLO, R. M.; NAVARRO, E. R. SANTOS RODRIGUES, G. A BNCC e a (re)invenção do lúdico à brasileira. Revista Eletrônica Ludus Scientiae, v. 6 (Contínuo), p. 122-136, 2022.

GUSDORF, G. L’esprit des jeux. In: CAILLOIS, R. Jeux et Sports. Paris: Encyclopédie de la Pléiade, 1967.

HAN, B. C. A sociedade do cansaço. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2015.

HAN, B. C.. Psicopolítica: O neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo Horizonte: Áyiné, 2018.

HAN, B. C.. Favor fechar os olhos: em busca de um outro tempo. Rio de janeiro: Editora Vozes, 2021.

HAN, B. C.. Hiperculturalidade: cultura e globalização. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2019.

HENRIOT, J. Le Jeu. Paris, França: Presses Universitaires de France, 1969.

HENRIOT, J. Sous couleur de jouers: La metaphore ludique. Paris: Ed. José Corti, 1989.

LAZZARATO, M. Signos, Máquinas, Subjetividades. São Paulo: n-1 edições/Edições Sesc São Paulo, 2014.

PERAN, M. Indisposición general. Ensayo sobre la fatiga. Barcelona: Hiru, 2015.

REY, P. J. Gamification and post-fordist capitalism. In: WALZ, S. P.; DETERDING, S. (Eds.). The gameful world: approaches, issues, applications. Cambridge: MIT Press, 2014.

SILVA, H. La gamification de la vie: sous couleur de jouer? Sciences du jeu [En ligne], 1, 2013.

SPARIOSU, M. I. Dionysus reborn: Play and the aesthetic dimension in modern philosophical and scientific discourse. Ithica, NY: Cornell University Press, 1989.

TULLOCH, R.; RANDELL-MOON, H. E. K. The politics of gamification: Education, neoliberalism and the knowledge economy. Review of Education, Pedagogy, and Cultural Studies, v. 40, n. 3, p. 204-226. 2018.

WHITSON, J. R. Foucault’s fitbit: governance and gamification. In: WALZ, S. P.; DETERDING, S. (Eds.). The gameful world: approaches, issues, applications. Cambridge: MIT Press, 2014.

Downloads

Publicado

2022-06-30

Edição

Seção

Artigos